19 de janeiro de 2010

Rio Acima - Jornal do Brasil - por MARCELO MIGLIACCIO


A cultura da violência está nas ruas. Cuidado!

Na semana passada, um grupo de cerca de 40 jovens deixou o bairro de Cordovil (Zona Norte do Rio) para brigar com uma turma do Grajaú, na casa do adversário. A pancadaria havia sido marcada pela internet. Só que a chuva fez com que os locais não aparecessem, e os lutadores de Cordovil, pra não perderem a viagem, lincharam um cara que encontraram pelo caminho. Moradores horrorizados com a selvageria chamaram a polícia, que conseguiu deter (eu disse deter, não prender) 25 celerados _ 16 deles menores de idade.

Foram apreendidos protetores bucais, paus com pregos nas pontas e um soco inglês, aquele ferro que se encaixa entre os dedos para arrebentar ainda mais a cara de algum infeliz. Da delegacia, os brigões foram liberados para continuarem por aí fazendo das ruas do Rio um deprimente ringue de vale tudo. Pronto, falei a palavra mágica (uma não, duas): vale tudo.

Todos os sábados à noite alguns canais exibem essas lutas absurdas que algum iluminado resolveu chamar de "esporte" para faturar milhões. Vale tudo, Pride, Ultimate Fighting são os inspiradores desses caras que só pensam em... porrada.

Mas a coisa começou bem antes.

O culto à violência inicia-se na infância, com os desenhos animados e filmes cada vez mais violentos exibidos nas TVs aberta e paga. Ai que saudade daquelas lutas inocentes e lúdicas do seriado do Batman dos anos 60... "pow", "bleng", onomatopéias psicodélicas, invadiam o vídeo, substituindo a violência dos golpes fake dados pelos super-heróis naqueles vilões alegóricos como o Coringa, o Chadada e o Pinguim.

Mas, no final dos anos 80, a programação infantil começou a ficar punk. Lembram dos Cavaleiros do Zodíaco? Era um anime violentíssimo, sucedido por outros piores ainda. Os personagens brigavam por nada ou por motivos tão idiotas que a mensagem final era que o negócio era lutar, sempre. Tinha um tal de G. I. Joe, americano, então que era um absurdo festival de truculência.

Paralelamente, a TV foi inundada por programas mundo cão ao cair da tarde: Datena, Ratinho, Marcia, Alborgueti etc. Cenas de violência exibidas sem pudor num horário que antes era ocupado por programas como Capitão Asa e Capitão Furacão, Vila Sésamo e Sitio do Picapau Amarelo.

As pegadinhas cruéis e desrespeitosas de João Kléber, Sérgio Mallandro, Silvio Santos e companhia foram um ingrediente a mais na desconstrução do conceito de fraternidade nas cabeças daquelas crianças. Um desempregado à procura de emprego? Vamos pregar-lhe uma peça e morrer de rir.

Aí, para solapar geral, vireram os reality shows, com suas cenas de tortura em profusão. Vale dinheiro? Então eles topam tudo.

A pá de cal para sedimentar a desesperança e o desapego dessa geração a valores como amizade e e respeito ao próximo e ao bem comum foi tristemente transmitida pelos noticiários de um país marcado pela impunidade de quem pode pagar bons e bem relacionados advogados. Corruptos de colarinho branco à solta e ladrões de galinha lotando presídios.

Em que esses adolescentes poderiam acreditar?

Em porrada!

E assim foi alimentado o intelecto de uma geração para quem a violência foi sempre muito mais eficiente e compensadora que o diálogo.

Fãs dos desenhos animados vão dizer que são apenas desenhos e que quem educa é a família e a escola, e não a televisão.

Em que mundo esses caras vivem?

Outros vão dizer que a liberdade de expressão é sagrada e que qualquer coisa pode ser derramada pela TV na cabeça de crianças em formação.

Discordo, os pais estão ausentes, são relapsos ou ignorantes demais para transmitir palavras de bom senso a seus filhos. Quem educa o Brasil com sua lavagem cerebral onipresente é a TV mesmo, e isso não é de hoje. Agora, ela tem a assessoria brilhante dos games de computador que entretêm as crianças com tiros de fuzil e combates mortais até a alta madrugada.

Aí, dirão que nem todas as crianças assoladas por essa massificação da violência se tornaram pitboys.

Graças a Deus, mas quem se responsabiliza pelos muitos que sucumbiram a essa lavagem cerebral?

Os amantes das artes marciais podem argumentar que lutador consciente só luta em academia e não provoca briga em boates.

Aham...

Acho que a luta livre, embora seja para mim uma aberração da natureza, não pode e nem deve ser proibida, mas teria que ser um espetáculo restrito a maiores de idade, e não disseminado cada vez mais na TV.

Se a rinha de galo é proibida, porque a rinha de homens é incentivada?

E a cultura da violência está aí. Skinheads aprontando em São Paulo, torcidas organizadas a promoverem barbaridades nos estádios e fora deles, casas noturnas transformadas em campos de batalha regados a bebida destilada misturada com energético. As ruas estão cheias de gente como os 25 lutadores de Cordovil, soltos depois de um compreensivo puxão de orelha na delegacia.

Torça para não cruzar com eles na próxima esquina.
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Meu comentário:


Marcelo, caríssimo

Bom dia!

Seu texto me lembrou um fato contado por um senhor taxista, daqueles que dá um duro danado para manter a família e não acredita em educação “mudernosa”. Nunca mais na minha vida esqueci aquela conversa.

Falávamos sobre filhos, criação/educação e ele me disse: “quem manda na minha casa sou eu e estamos conversados”. É o tipo de homem que tomas as regras e o controle do que acontece em sua casa e com os que nela moram e não terceiriza responsabilidades. Vamos dizer que ele é daqueles que acham que “quem dá o pão dá o ensino”.

Este senhor cria um sobrinho desde pequeninho, é um filho. O tal é agora um adolescente e é aí que a história começa. Nas palavras do taxista (na medida do possível):

Em uma sexta-feira o sobrinho-filho tomou banho, se arrumou todinho, o tio-pai deu o dinheiro para as despesas de praxe e saiu com os amigos. Na manhã seguinte, chegou todo arrebentado e com a roupa toda rasgada. O tio-pai taxista pressionou e o garoto argumentou que foi assaltado (1ª mentira).

Na sexta-feira seguinte, o mesmo ritual: banho, roupa nova e dinheiro do titio-papai. No sábado seguinte, novamente, chegou aos trapos em casa com a cara toda arrebentada. Pressionado, avisa que tinha sido pego de surpresa em uma briga de boite (2ª e última mentira porque o taxista não dá terceira oportunidade).

O tio-pai espremeu, espremeu e espremeu até o garoto-que-pensa-que-a-gente-não-conhece-mentira confessar. O tio-pai é macaco velho, senhor de idade, e ainda por cima trabalha na noite levando e trazendo Deus e o mundo. Não vive de “historinhas”. Foi quando o aborrecente-idiota-e-que-sempre-vai-na-conversa-dos-outros falou que ele os amigos marcavam as brigas pela internet. Nas sextas à noite ele saía para brigar com outros caras porque é disso que ele gosta.

O tio-pai ouviu calmamente o que o sobrinho-filho tinha a dizer e respondeu: “No meu tempo de rapaz (ele não fala adolescente) nós também nos arrumávamos todas as sextas-feiras, colocávamos as melhores roupas e perfumes e saíamos à noite porém, com outro objetivo: encontrar GAROTAS, namorar. E seguiu dizendo: não pense que era tarefa fácil (como é hoje, em que as meninas andam tão fáceis que o joelho esquerdo não junta com o direito há mais de um ano). Conseguir uma boa garota para um bom papo não era coisa fácil. Se um de nós chegava ao clímax de segurar as mãos da eleita dava a noite como ganha. Beijo nem pensar. O taxista estava até sendo razoável, tentando mostrar ao sobrinho-filho-problemático que tipo de comportamento um homem de verdade deve ter, e até falando sobre o romantismo da época. Foi quando o desavisado do garoto-eu-gosto-de-levar-porrada respondeu mal e chamou o tio-pai de véio sem noção. Neste momento, a “marmita do cara azedou” e ele conheceu o lado negro da força.

Do alto de sua autoridade política e financeira o meu amigo (aí ele virou meu amigo mesmo) taxista deu um soco na mesa e mudou o discurso. Disse que não dava um duro danado para dar o melhor ao rapaz e este, nos fins de semana, ficar todo bonitinho, de roupa nova, para se encontrar com homens e ainda por cima para brigar. E disse que ia resolver o problema de uma vez só. Já que o sobrinho-filho gostava de apanhar ele mesmo se encarregaria de descer a porrada nele. E desceu avisando: toda vez que sentir vontade de brigar pode falar comigo. Com a vantagem de ser um programa barato porque o dinheirinho das roupas novas e das despesas de sexta-feira acabou ali.

Não pense que o sobrinho-filho teve problemas psicológicos, estresse pós porrada, nada disto. Teve sim, um surto de vergonha na cara e tratou de estudar porque entendeu rapidinho que fora dali ele não teria vida melhor.

Bem, Marcelo, você deve estar me perguntando o por que desta história interminável. Eu concordo com você que a mídia do nosso tempo ajuda muito na propagação da violência, isto é fato.

Todo mundo copia o que vê na televisão. Até adultos retardados copiam moda de novelas (você sabe que eu sou a única pessoa no Brasil e no mundo que não assiste novelas). Copiam roupas, sapatos, gestos, danças, hábitos e até...bordões! confesso que às vezes fico sem graça quando as pessoas falam comigo em novelês porque fica difícil entender. E quando começo a entender a novela acabou e já tem outro novelês no ar. Estou sempre out, off, por fora....

Ora, se adultos retardados são capazes de reproduzir o que vêem na televisão o que não dizer de crianças em formação de personalidade?

É óbvio que a televisão influencia e muito. Eu apenas acho que pior que a presença da televisão é a ausência dos pais (ou de quem seja responsável).

Mas quem quer??? Antes as meninas queriam ser como as mães quando crescessem. Hoje as mães querem ser como as filhas e disputam os mesmos modelitos, o mesmo linguajar, as mesmas boites e os mesmos namorados.

Os pais não querem mais descer do palco para dar vez aos filhos e vê-los brilhar. Sem figura de autoridade fica difícil, o que a gente vê é isto aí.

Pergunte aos pais da gangue de Cordovil onde estavam naquela hora ou, se pelo menos sabiam onde os filhos iriam estar. Um carro zero para quem afirmar que sabia o que o filho ira fazer.

Mãe é mãe, pai é pai e melhor amigo é melhor amigo. Não queira ser a melhor amiga (o) dos seus filhos. Queira ser a melhor mãe ou o melhor pai.

É por isto que eu acho que a solução para o que se vê por aí acontecendo a todo o momento é colocar OS PAIS dentro da cadeia. Afinal, é deles a responsabilidade civil já que os arruaceiros são menores de idade. Cadeia sem direito a fiança. Na linguagem popular. Tomar conta dos filhos ou ir para a cadeia e o Estado assumir os filhos (não há desgraça maior).

Não adianta pena de morte, não adianta matar ninguém, até porque ninguém morre na hora, não estamos na China. Só compramos produtos chineses (SAARA/RJ, 25 de março/SP) apesar de falarmos muito mal da China. Falem mal, mas comprem de mim.

As pessoas que pregam a pena de morte pensam que seria como no velho oeste: se matar morre enforcado, na hora, na árvore mais próxima. Ledo engano.

Nos EUA existem prisioneiros que estão há anos no corredor da morte comendo o dinheiro dos cofres públicos e dos Tribunais de Apelação.

Falar é fácil. Na prática o bicho pega.

Parabéns pelo texto, oportunísssimo, Marcelo, Você é o cara.

Abraços fraternos,

Virgínia Meirim